segunda-feira, 31 de maio de 2021

EU NUNCA PRECISEI DE ARTISTA, E VOCÊ?

 

Outro dia vi uma postagem de um conhecido, na qual ele dizia, de forma jocosa, que nunca havia precisado de um artista. E que a arte, no seu modo de ver, seria algo supérfluo ou descartável.

Talvez a perspectiva estabelecida a partir deste ponto de vista venha a ser restabelecida dessa forma devido a aspectos conjunturais provenientes dos embates políticos atuais (falo no ano de 2021, no auge de uma pandemia no Brasil, e polarização ideológica). Questões relativas à gestão pública no incentivo à cultura, e coisas do gênero.

Por fim, o sonho da arte chega a um beco, no qual as pessoas que estão fora da bolha criada pelo mercado questionam: “Arte? Para que isso serve mesmo?

Observando-a a partir de um caráter utilitário, não há serventia para a Arte sua olhos desses espectadores senão, apenas, como diversão ou passatempo às pessoas que têm tempo suficiente para tal. Ou, como dizem os diletantes, a arte serve apenas como uma boa terapia.

Aqueles imersos em seus pequenos horizontes, cujas perspectivas se limitam apenas a comer e dormir e trabalhar e se divertir -de vez em quando, veem a arte como descartável. Teriam razão?

Antes de adentrar nisso, gostaríamos de partilhar um pouco de nossa experiência.

Sempre que vamos a museus históricos, vemos, na realidade, restos do que sobrou de diversas civilizações. As coleções de peças arqueológicas reúnem aquilo que representa a expressão temporal de uma cultura dentro da cronologia. E o que representam essas peças, na maioria das vezes? Arte.

Quando vemos as explicações dos estudiosos, verificamos que as peças expostas trazem à tona o grau de desenvolvimento da civilização. Uma arte mais refinada é um sinal de uma civilização em seu auge. O contrário revela aos estudiosos uma civilização ainda incipiente ou decadente.

Lembro-me de ter lido alguns trechos das memórias de Jean-François Champollion (lidos em Deuses, Túmulos e Sábios) nos quais ele dizia que havia percebido que alguns templos os quais estaria estudando no Egito eram, na realidade, expressão de uma civilização já decadente pelo aspecto da Arte que os decorava. Era uma arte do final da civilização egípcia. Então, Champollion identificou a decadência da civilização egípcia pelo aspecto decadente de sua expressão artística.

Não vou aqui me aprofundar, pois não me interessa entrar nesses detalhes, o quanto os processos artísticos foram cooptados pela indústria a partir da revolução industrial do século XVIII. Mas, para se criar um simples ventilador há um processo artístico envolvido. Portanto, se você tem um ventilador em sua casa, ou um carro, ou um liquidificador, saiba que todos estes nasceram, a princípio, de processos artísticos ou, como chamamos atualmente, design -bem anglo-saxão.

É interessante notar, pois, que o design industrial se aproveitou de toda experiência acumulada ao longo de séculos, até chegar aos resultados “revolucionários” de hoje.

Contudo, e este é o ponto que me interessa no momento, a arte contemporânea foi um acúmulo de destruições contínuas, que se desenvolveram ao longo dos séculos XIX – XX. Creio sinceramente que a busca de libertação do artista, provocada pelas vanguardas europeias do século XIX, não tinham em mente que chegássemos a este beco, onde a própria liberdade é uma prisão.

A prisão da novidade. A prisão da superficialidade. A prisão da falta completa de parâmetros. Eu entendo ser impossível construir com destruição. E tampouco se constrói coisa alguma em cima de nada.

E, ao chegarmos a este ponto, verificamos que as próprias pessoas rejeitam a necessidade da arte. Estão acostumados a ver uma terra arrasada, onde soluções fáceis são tidas como o suprassumo do ótimo. Quem consegue ouvir, hoje em dia, um Sílvio Caldas? Não falo de Bach ou Beethoven para não ser chamado de irrealista.

Quem entende aquilo que representa uma “Mona Lisa”, que já foi fruto de uma revolução artística? Quem, na era do Twiter, consegue ler um Dostoievsky em sua densidade psicológica? E isso é devido a que?

Quando eu era adolescente (década de 1980) ficava impressionado com as manifestações culturais que pregavam uma luta contra a massificação da cultura. Podemos entender que muito disso poderia estar querendo resgatar um papel “elitista” da arte. Mas, em nenhum momento, entendi que papel isto que chamamos de arte teria em alimentar nossas consciências. Em nos tornar livres, e não mais presos.

Adolf Loos (1870-1933), arquiteto austríaco, entendia que toda forma de ornamento e cor era degeneração. E que uma sociedade, para ser considerada moderna, deveria prescindir disso.

Quando visitamos Roma, vemos diversos prédios brancos, que descobrimos terem sido construídos na época do fascismo, principalmente nas décadas de 1920/1930. E que os antigos prédios da civilização romana, hoje enbranquecidos pela deterioração dos pigmentos, originalmente não o eram. Para os nazistas a inexistência de cor refletia um homem mais moderno, sofisticado e superior. Talvez remetendo à teoria da raça ariana, branca.

Então, ficam duas questões que devem ser respondidas:

1) A arte hoje existente é realmente necessária a esta sociedade?

2) A ausência de arte colabora para um papel libertador das consciências?