Outro dia vi
uma postagem de um conhecido, na qual ele dizia, de forma jocosa, que nunca
havia precisado de um artista. E que a arte, no seu modo de ver, seria algo supérfluo ou descartável.
Talvez a perspectiva estabelecida a partir deste ponto de vista venha a ser restabelecida dessa forma devido a
aspectos conjunturais provenientes dos embates políticos atuais (falo no ano de 2021, no auge de uma pandemia no Brasil, e polarização ideológica). Questões relativas
à gestão pública no incentivo à cultura, e coisas do gênero.
Por fim, o sonho da arte chega a um beco, no qual as pessoas que estão fora da bolha criada pelo mercado questionam: “Arte? Para que isso serve mesmo?
Observando-a a partir de um caráter utilitário, não há serventia para a Arte sua olhos desses espectadores senão, apenas, como diversão ou passatempo às pessoas que têm tempo suficiente para tal. Ou, como dizem os diletantes, a arte serve apenas como uma boa terapia.
Aqueles
imersos em seus pequenos horizontes, cujas perspectivas se limitam apenas a
comer e dormir e trabalhar e se divertir -de vez em quando, veem a arte como
descartável. Teriam razão?
Antes de
adentrar nisso, gostaríamos de partilhar um pouco de nossa experiência.
Sempre que
vamos a museus históricos, vemos, na realidade, restos do que sobrou de
diversas civilizações. As coleções de peças arqueológicas reúnem aquilo que representa
a expressão temporal de uma cultura dentro da cronologia. E o que
representam essas peças, na maioria das vezes? Arte.
Quando vemos
as explicações dos estudiosos, verificamos que as peças expostas trazem à tona
o grau de desenvolvimento da civilização. Uma arte mais refinada é um sinal de uma
civilização em seu auge. O contrário revela
aos estudiosos uma civilização ainda incipiente ou decadente.
Lembro-me de ter lido alguns trechos das memórias de Jean-François Champollion (lidos em Deuses, Túmulos e Sábios) nos quais ele dizia que havia percebido que alguns templos os quais estaria estudando no Egito eram, na realidade, expressão de uma civilização já decadente pelo aspecto da Arte que os decorava. Era uma arte do final da civilização egípcia. Então, Champollion identificou a decadência da civilização egípcia pelo aspecto decadente de sua expressão artística.
Não vou aqui me
aprofundar, pois não me interessa entrar nesses detalhes, o quanto os processos
artísticos foram cooptados pela indústria a partir da revolução industrial do século XVIII. Mas, para se criar um simples ventilador há um processo artístico envolvido.
Portanto, se você tem um ventilador em sua casa, ou um carro, ou um
liquidificador, saiba que todos estes nasceram, a princípio, de processos
artísticos ou, como chamamos atualmente, design -bem anglo-saxão.
É
interessante notar, pois, que o design industrial se aproveitou de toda
experiência acumulada ao longo de séculos, até chegar aos resultados “revolucionários”
de hoje.
Contudo, e
este é o ponto que me interessa no momento, a arte contemporânea foi um acúmulo
de destruições contínuas, que se desenvolveram ao longo dos séculos XIX – XX. Creio
sinceramente que a busca de libertação do artista, provocada pelas vanguardas europeias
do século XIX, não tinham em mente que chegássemos a este beco, onde a própria
liberdade é uma prisão.
A prisão da
novidade. A prisão da superficialidade. A prisão da falta completa de parâmetros.
Eu entendo ser impossível construir com destruição. E tampouco se constrói
coisa alguma em cima de nada.
E, ao chegarmos
a este ponto, verificamos que as próprias pessoas rejeitam a necessidade da
arte. Estão acostumados a ver uma terra arrasada, onde soluções fáceis são tidas
como o suprassumo do ótimo. Quem consegue ouvir, hoje em dia, um Sílvio Caldas?
Não falo de Bach ou Beethoven para não ser chamado de irrealista.
Quem entende
aquilo que representa uma “Mona Lisa”, que já foi fruto de uma revolução artística?
Quem, na era do Twiter, consegue ler um Dostoievsky em sua densidade
psicológica? E isso é devido a que?
Quando eu era
adolescente (década de 1980) ficava impressionado com as manifestações
culturais que pregavam uma luta contra a massificação da cultura. Podemos
entender que muito disso poderia estar querendo resgatar um papel “elitista” da
arte. Mas, em nenhum momento, entendi que papel isto que chamamos de arte teria
em alimentar nossas consciências. Em nos tornar livres, e não mais presos.
Adolf Loos
(1870-1933), arquiteto austríaco, entendia que toda forma de ornamento e cor
era degeneração. E que uma sociedade, para ser considerada moderna, deveria
prescindir disso.
Quando
visitamos Roma, vemos diversos prédios brancos, que descobrimos terem sido
construídos na época do fascismo, principalmente nas décadas de 1920/1930. E que os antigos prédios da civilização romana, hoje enbranquecidos pela deterioração dos pigmentos,
originalmente não o eram. Para os nazistas a inexistência de cor refletia um
homem mais moderno, sofisticado e superior. Talvez remetendo à teoria da raça
ariana, branca.
Então, ficam
duas questões que devem ser respondidas:
1) A arte
hoje existente é realmente necessária a esta sociedade?
2) A ausência
de arte colabora para um papel libertador das consciências?